1.2.12

mais céu, menos chão



Para M. ( Aquela que não queria ver nada bonito e
desistiu das cores, deixando um rastro de cinzas ...)

Tenho uma amiga que vê problema em tudo. Bota o cinza onde não haveria de ter. E lamenta, e chora, e esperneia e faz da vida uma via sacra, uma coroa de espinhos.
Ontem, enquanto conversávamos sobre desapontamentos (vindos dela, é claro!) uma estrela cadente riscou o céu de ponta a ponta. Dei um grito de alegria misturado com alívio: Poxa! É um sinal, pensei comigo. As coisas vão melhorar. É Deus falando comigo.

- Que nada, amiga, bobagem! Estrela cadente é coisa de criança, é caretice! Disse-me ela, com ar de deboche.

Caretice é essa adultice cheia de marra, dona M. (preservando o nome e a amizade de anos!) É essa seriedade e falta de lente de aumento. Ser adulto não é perder o olhar pras coisas simples, pros detalhes. Não é desacreditar e perder o jeito da fé.

Ser adulto é outra coisa. Ser adulto é pegar os problemas que vêm embrulhados como se fossem presentes, com nome, data e endereço e tranformá-los em aprendizado e sabedoria. É pincelá-los com toque aveludado de cuidado e fazê-los dormir depois de muita reflexão.

E tudo tem toque de amor, minha amiga, é você que não vê, e pior que isso, é você  que coloca um tampão no olho e se proibe de perceber belezas, por medo e precaução. Mas beleza não cega, minha linda, não entristesce, não emburrece e muito menos é termômetro de criancice.

 A beleza escolhe a gente e se instala, montando barraco, estendendo os lençóis, apontando horizontes, construindo pontes. Porque "Beleza e glória das coisas o olho é que põe" citando Manoelito, o dono das invencionices, que sabe das coisas e suas grandezas e que também falou: "As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis: Elas desejam ser olhadas de azul". Concordo e assino embaixo. 

Foi aí que me lembrei daquele conto do Dalton Trevisan:

Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um cachorro ergue a perninha no poste.
Mais tarde:
— Uma menina de vestido branco pulando corda.
Ou ainda:
— Agora é um enterro de luxo.
Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.
Não dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.
Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo."

Onde você vê lixo, amiga, eu vejo estrelas. Onde você vê o fim, eu vejo o recomeço. Onde você põe um ponto, eu ponho vírgula. Onde você bota interrogação, eu boto exclamação. Onde você enxerga amargura, eu enxergo escada pro que é divino.

Aprenda a olhar, depois fale comigo, ok? 
Cheiros agridoces e um olhar enfeitado pro teu cotidiano. Que você possa ver e sorrir, ver e sentir, ver e se sentir melhor. Que você possa ter fome de céu, mais do que chão.  

Uma chuva colorida de emoções e belezas, pra toda gente.

por Cris Carvalho


7 comentários:

  1. Preciosidade Cris, que texto lindo! Sou sua fã.

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  2. Lindo Cris! :)
    fã nº2

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  3. Fã número 3, chegou!

    Eu não sei o que é mais sensivel:as flores ou se é você?!

    Um beijo!

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  4. Cris, um dos primeiros blogs que comecei a ler, e me apaixonei, foi o teu.
    E desde então, volta e meia venho aqui colher inspiração pra vida, e reaprender a enxergar de forma bonita, as pequenezas da vida.
    Sou tua fã. Como escritora, e como a mulher que nunca deixa a menina morrer.
    <3

    Beijos muitos.

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  5. Que linda crônica! Também acho que a poesia não está somente no encanto das palavras e, sim, no que me leva a pronunciá-las... E nada mais é do que a vida - vendo, sentindo, ouvindo. É triste quando algo em nós se desliga do universo e nos priva de entender o sentido bom das coisas.

    Beijos, sucesso!

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  6. Oi Cris, te vi lá no blog da Meire, o nosso cristalzinho, e gostei imenso do teu falar.

    Teu blog é carregadinho de amor com chuvas de abraços!
    Lindo, amei!
    te sigo =D
    beijo pra ti e muito prazer!

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'Que seja doce o que vier. Pra você, pra mim.'